The Ugly Stepsister - Seleção de Sundance Midnight
- Fernando Gomes
- 24 de jan.
- 3 min de leitura
"The Ugly Stepsister" vai sair de Sundance com os títulos de divulgação prontos, afinal alguém verdadeiramente vomitou no corredor durante a première do filme. O filme com foco no terror-corporal é uma releitura da versão dos Irmãos Grimm da história da Cinderella. A diretora, Emilie Blichfeldt opta por uma adaptação bem menos fantasiosa do que a tradicionalmente vista, mas ainda reimagina alguns desses elementos para o filme.
A história acompanha a família de Elvira, Rebekka e Ama buscando um casamento de interesse da mãe no intuito de poderem sustentar seu estilo de vida. Essa união se estabelece rapidamente e ainda mais rapidamente se desfaz com a morte do patriarca de maneira cômica na mesa de jantar. Agnes, a filha deste homem tenta processar esse luto até o momento em que suas novas irmãs e madrasta descobrem que eles não tinham dinheiro nenhum. E daqui pra frente, a história de Agnes é um paralelo a de Cinderella, mas nós acompanhamos Elvira até o fim.
Repleto de gore, violência e nojeiras “The Ugly Stepsister” imediatamente começa a colocar a Elvira na busca pela beleza, elegância e perfeição que sua meia-irmã Agnes possui. Isso porque, agora sem opções, a possível união de Elvira com o príncipe da região é a única forma de sua família sobreviver. E pelas próximas duas horas vamos acompanhar momentos cada vez mais grotescos para a obtenção dessa beleza.
“É o que está por dentro que importa”, diz uma versão deturpada de uma fada madrinha pra Elvira, momentos antes de lhe dar ovos de tênia para auxiliar o processo de emagrecimento. Infelizmente, o filme não segue seu próprio discurso e nunca adentra verdadeiramente nas questões que movem esse tipo de filme. Após um ano com “A Substância” e entrevistas elucidando Cronenberg como inspiração, falta a exploração ética e filosófica sobre dismorfia corporal e pressões sociais que consolidaram suas inspirações.
Momentos interessantes do filme vêm da subversão dos personagens, como por exemplo Agnes não era uma menina angelical, virgem e pura como Cinderella ela era uma moça sexualmente ativa, cheia de desejos e uma raiva internalizada. Em contrapartida o príncipe também não é retratado como tal, mas sim como machista e arrogante, vendo mulheres apenas como objetos de seu próprio prazer. Infelizmente, essas aberturas que poderiam engrandecer a narrativa não passam de artifícios para reiterar, exaustivamente, a mensagem do filme.
A maior dificuldade desse roteiro é minerar os impactos que essa busca irrefreável por um padrão de beleza inatingível tem no indivíduo e nas relações que ele cultiva. Tudo acaba ficando na superfície e personagens como a irmã mais nova viram apenas enfeites na história.
O mérito de “The Ugly Stepsister” está em perfomances sólidas e um terror corporal altamente efetivo. Mas, é o senso de humor do filme que é possivelmente o ponto alto da obra, balanceando toda a violência e temática deturpada com momentos de auto-consciência que tornam momentos enojantes em algo mais palatável. A sátira ajuda o filme a comentar sobre temas difíceis com leveza, tal qual a venda da beleza, ou como a beleza é um uma arma para obtenção de sucesso, amor, relevância social e ser desejada.
Elogios tem que ser feitos também para a criatividade da reimaginação desse conto de fadas. Cinderella é um filme que fala sobre a literal necessidade de fisicamente se encaixar nos padrões de outra pessoa — a alegoria do sapato não fica mais óbvia do que isso — e ainda que haja uma certa criatividade em retratar o karma que assombra Elvira, ou o preço astronômico que ela paga para caber nesse sapato, "The Ugly Stepsister" tem personagens e dinâmicas subdesenvolvidas demais para que seja distinto ou original o suficiente. No fim, ele parece sofrer do mesmo mal de sua protagonista: se contorce para caber no formato de suas inspirações, mas nunca para para olhar pra dentro — ainda que tenha sua beleza própria.
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