Atropia — SUNDANCE
- Fernando Gomes
- 18 de fev.
- 2 min de leitura

“Guerra é a forma de Deus ensinar geografia para os americanos.” — Ambrose Bierce
Atropia é a palavra utilizada pelo exército americano para designar zonas de conflito. O filme, de mesmo nome, retrata acontecimentos dentro de uma cidade simulada que emulava o Iraque — mas que hoje emula a Ucrânia. Essas cidades, utilizadas para treinar militares, existem de verdade nos EUA e simulam o cotidiano, eventos culturais, interações com habitantes, ataques terroristas e até mesmo ações militares.
Atropia carrega críticas contundentes através de humor e ironia, dois elementos que funcionam bem, mas que eventualmente se tornam excessivos e acabam afastando a mensagem do filme. Algumas das críticas e denúncias são tão caricatas que beiram o mau gosto — eu diria até o preconceito. No entanto, a razão de ser do filme vem da diretora, Hailey Gates, que originalmente queria fazer um documentário sobre esses locais, mas, por motivos óbvios, foi vetada. Assim, ela encontrou outra forma de abordar o tema que queria.
Desde Dr. Strangelove, qualquer comédia de denúncia enfrenta uma comparação cruel. Atropia, nitidamente, não está no mesmo nível, mas tem coragem ao criticar o status quo, trazer à tona temas relevantes e expor os absurdos da guerra. Afinal, a existência de uma cidade fictícia inteira, com atores falando a “língua local”, onde cidadãos, soldados e figurantes podem vivenciar a guerra, parece algo saído de um filme, mas é real.
Esse é um filme que, por motivos culturais, ressoa mais com o público americano do que com qualquer outro. Ele critica o egocentrismo, o nacionalismo, os transtornos causados pela guerra, a cultura da violência, o abandono dos veteranos e a dissociação de uma geração em relação à crueldade dos conflitos. Todos esses temas são apresentados com uma perspectiva modernizada e leve. No entanto, a conclusão de que a guerra é travada à custa da juventude, por motivos desconhecidos por quem luta e decididos por velhos em posições de poder, não é nova.
Mas o problema do filme não é o que ele quer dizer, e sim como ele diz. A mistura de comédia besteirol com romance parece totalmente deslocada. Pior ainda, esses elementos, que começam sutilmente, acabam se tornando marretadas para reforçar a mesma mensagem. Relacionamentos e personagens ficam soterrados em piadas cansativas e um romance que não engaja. A sensação é de dois filmes em conflito, onde as partes vão se tornando progressivamente mais exageradas para tentar comunicar algo.
A direção extrai bem a comédia, principalmente pela forma como captura Alia Shawkat — que brilha com um timing cômico impecável —, mas falha em engajar na parte do relacionamento e da ação. O que começa como algo intrigante se torna exaustivo e vazio, porque a crítica ao objeto acaba caindo no caricato. Parte da sátira vem dessa distorção da realidade, mas o filme se leva a sério demais para esse tipo de humor.
Eu seria hipócrita se dissesse que não me diverti em momentos pontuais — o personagem que é um iPod humano é hilário. Mas a tentativa de mesclar drama familiar, romance e besteirol deixou o filme excessivamente discrepante. No fim, Atropia agradou mais quem deveria se incomodar com ele do que quem deveria rir dele.
Comments